quarta-feira, 30 de julho de 2008

A JIHAD FOR LOVE



«Filmado clandestinamente em várias partes do globo, o documentário A Jihad for Love revela
a difícil conciliação entre o Islão e uma "opção" sexual que este condena.

A Jihad for Love pode não ser um campeão de bilheteiras, mas o documentário sobre a luta dos gays e lésbicas muçulmanos está a gozar de algum grau de aclamação por parte da crítica porque retrata um tema muitas vezes rodeado de mistério.
O seu realizador, Parvez Sharma (também ele homossexual), passou o ano a mostrá-lo em cinemas e festivais um pouco por todo o mundo - a última exibição foi na Outfest, um festival de cinema gay e lésbico de Los Angeles.




Filmado clandestinamente em 12 países ao longo de seis anos, o filme abre uma janela para as vidas dramáticas de gays e lésbicas muçulmanos que tentam conciliar a sua orientação sexual com a devoção a uma fé que condena o seu modo de vida.
Alguns foram espancados ou presos. Outros foram forçados a fugir das suas casas. Muitos têm os seus rostos filmados na obscuridade para proteger a identidade e evitar que as suas famílias sofram represálias.

Mas Sharma, 35 anos, que antes de realizar este documentário trabalhou como jornalista na Índia, explica que o seu objectivo não é atacar o Islão mas sim iniciar uma discussão sobre o dilema que força muitas pessoas a viverem vidas de um desespero silencioso. E aí, explica o realizador, é que está o significado por trás do título do filme: Jihad, sempre associada a guerra santa, significa literalmente "combate" ou "lutar no caminho de Deus".

"Há enormes diferenças entre os muçulmanos sobre a forma de lidar com a homossexualidade", diz Sharma. "Na maioria dos casos, optam por ignorar a sua existência desde que seja mantida secreta ou privada". O documentário - o primeiro deste realizador indiano -, foi filmado no Egipto, Turquia, Índia, África do Sul, França e outros países.



O problema para muitos dos entrevistados por Sharma é que eles se recusam a manter-se silenciosos ou a ignorar o seu desejo de amar apesar dos riscos. E isso conduz, invariavelmente ao conflito com a sua religião, as suas famílias, os seus países e consigo próprios.

Veja-se a experiência de Mazen, um egípcio com 20 e poucos anos que no filme é preso durante uma rusga policial a uma discoteca gay e depois acaba por ser violado na prisão. Foge para França antes que uma segunda, e mais longa, sentença de prisão lhe possa ser aplicada. Hoje mantém a sua fé no islão. "Tenho a certeza que Deus tem uma razão para tudo aquilo que me aconteceu", diz ele no filme. "Sei que ele está sempre comigo".
Depois Maryam, uma lésbica também a viver em Paris, que mantém uma relação de longa-distância com a sua namorada, Maha, no Cairo. Numa das suas visitas a França, Maha pergunta: "Porque é que não podemos viver juntas e ao mesmo tempo viver com Deus?" Maryam responde: "Não sei se isso é possível. Não sei mesmo".

Para fazer A Jihad for Love, Sharma juntou-se à produtora Sandi DuBowski, que fez o documentário de 2001 Trembling Before G-d, sobre o que é ser gay ou lésbica ao mesmo tempo que se é judeu ortodoxo ou hassídico. Embora os dois filmes abordem questões semelhantes, o documentário de Sharma foi especialmente difícil de fazer por causa dos perigos (vigilância policial e ameaça de prisão) que ele conseguiu evitar.
Sharma - que se veste com jeans, óculos de aros vermelhos e um colar com uma medalha dourada com o nome de Alá gravado em árabe - diz que muitas vezes se fez passar por turista enquanto filmava, gravando as suas entrevistas no meio de imagens inócuas.
"A maior dificuldade foi estabelecer relações de confiança com cada uma das pessoas que aparece neste filme", conta.

A Jihad for Love estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto no passado mês de Setembro. Desde então foi exibido em festivais na Alemanha, México, Brasil, Índia, Grécia, Turquia, África do Sul e Inglaterra. Sharma diz que alguns dos seus amigos já fizeram entrar cópias do documentário no Irão, no Paquistão e na Malásia.
O filme gerou algumas reacções negativas. Foi banido em Singapura, o Conselho Judicial Muçulmano da África do Sul declarou Sharma apóstata e o realizador recebeu já algumas ameaças de morte no seu blogue onde, diga-se, a maior parte das mensagens sobre o filme são positivas.


No Outfest, depois de verem o documentário, muitos muçulmanos - hetero e homossexuais - disseram que ficaram satisfeitos por descobrir que Sharma retratou o Islão com respeito. "Como mulher muçulmana, achei que o seu filme é incrivelmente belo e espiritualmente inspirador", disse Nagwa Ibrahim, uma advogada de 30 anos, durante uma sessão de perguntas e respostas com o realizador. "Fiquei muito comovida com a humanidade do seu filme."

Sharma explicou que a perseverança dos seus entrevistados, e a sua disponibilidade para falarem abertamente sobre a sua luta, renovou a sua própria devoção ao Islão. "Encontrei um profundo respeito pela religião através destas pessoas, através da sua imensa religiosidade", disse. "Estou mais perto do que alguma vez consegui estar da fé profunda, da fé absoluta".»


Texto: Público

Faço votos para que os programadores do Queer Lisboa se lembrem de incluir este filme na edição deste ano.

31 comentários:

Tongzhi disse...

Deve ser violentíssimo...

Luís Galego disse...

Faço votos para que os programadores do King por exemplo passem este documentário, que exibe uma problemática que deve ser apreciada urgentemente. Espero que este tipo de documentários não se cinjam a grupos especificos e festivais especializados...

Um abraço

Special K disse...

Tonghzy: Ainda não vi o filme, mas deve ter histórias arrepiantes como também algumas mensagens de esperança. O facto de este filme existir já é uma mensagem de esperança.
Um abraço.

Special K disse...

Luís Galego: Junto o meu aos teus votos. é necessário que este tipo de filmes não se fique apenas pelos circuitos GLBT. Foi com grande surpresa e alegria que vi, este ano, alguns documentários exibidos no Queer Lisboa do ano passado passarem no Canal Odisséia da TVCabo. Recordo um sobre Reynaldo Arenas e a homossexualidade em Cuba.
Um abraço.

Anônimo disse...

Ontem estava a almoçar e ao meu lado estava um homem a ler o Publico e vi a notícia de relance... o homem não quis demorar muito tempo a ler a notícia... LOL

O site do QueerLisboa tem os emails dos programadores; até que se poderiam enviar uns mails, mas acho que é um pouco em cima da hora, para a edição deste ano...

Pode ser que já esteja incluído... ;)


PS: Adicionei o link do teu blog... no meu blog. Estava em falta!

Luís disse...

É um problema dramático, pelas notícias que cá vão chegando, mesmo quando às vezes nem queremos acreditar na possível veracidade do que vemos. Era um bom tema para um debate na TV ou, no caso do filme, para exibição a horas e dias decentes nas noites da RTP2. Obrigado por fazeres causa destas causas! Um grande abraço,

Special K disse...

Engine: Eu li-a no Público e como não sou assinante da edição online não tinha muita esperança de o encontrar por aqui. Felizmente consegui.
No ano passado gostei da selecção do Galopim, do João Ferreira, e do convidado João Lopes. Acho que este ano ano se vão manter.
Um abraço.

Special K disse...

Engine: Obrigado pelo link. Um dia destes tenho que actualizar a minha lista. Desde que uso o Google Reader nunca mais lhe mexi.
Um abraço.

André disse...

o pior acontece naqueles países "islâmicos" onde, por regra, não "ignoram"... como o Irão... tenho que ver... Abraço

Special K disse...

Luís: Apesar de tudo é de louvar a coragem deste homem e de todos os outros que deram a cara. Eles estão ainda a arriscar a vida. Mesmo num país mais livre, não estão a salvo de algum fanático que queira acabar com eles.
Esperemos que os canais de tv se lembrem. A RTP, como serviço público tinha essa obrigação.
Um abraço.

Special K disse...

André: O Irão é um dos piores, pois além da prisão e da tortura também tem a pena de morte. Mas como disse aqui nem na Europa estão a salvo. É comum aparecer nas notícias o caso de crimes de honra contra jovens que fugiram da sua terra para viver os seus amores proíbidos e são encontrados e assassinados, geralmente pela própria família.
Um abraço.

Anônimo disse...

É de louvar um documentário destes onde os gays e as lésbicas dão as caras, em países onde é perigoso fazê-lo.
Era bom que desse depois na TV.
Beijos

Anônimo disse...

Gostei bastante do clip e do artigo. Espero que um dia desses o referido documentário passe pela tv generalista.

Anônimo disse...

Isto sim, é uma boa sugestão, um bom alerta. Bem hajas! Grande abraço!

João Roque disse...

Já tinha ouvido referências a este filme na gala dos prémios do festival gay de Berlim «Teddy Awards», que o canal ARTE transmitiu em directo (este canal é só o melhor de todos os canais que se podem ver em Portugal).
É um filme marcante e pelo que conheço das programações do Lisboa Queer Festival, que vão geralmente buscar os filmes e documentários dos grandes festivais LGBT do ano, não me admiraria de o ver incluído na programação deste ano; já agora, porque dar a programação apenas quase em cima do festival?

A sugestão do Luís Galego é muito pertinente, pois certos filmes ficam arredados da exibição comercial, o que é uma pena.
Mais uma vez, o canal ARTE é fundamental, pois passa inúmeros filmes e documentários sobre a temática gay; pena é que não esteja incluído nos esquemas promocionais que ùltimamente nos bombardeiam dia a dia; eu já podia ter arranjado um esquema mais económico do que aquele que tenho, e que inclui Tv cabo, telefone fixo e net, e não o faço, por não haver o ARTE...

Abraço.

Socrates daSilva disse...

Como deves ter imaginado, este teu post teve um impacto enormissimo em mim. Compreendo perfeitamente o dilema de culturas religiosas em que não existe margem para encarar a homossexualidade como algo toleravel. Muitas religiões, de todos os quadrantes, encaram o homossexualismo como pecado mortal. A diferença é que alguns países muçulmanos matam estes “pecadores”. Mas, algumas religiões do hemisfério cristão não tem problemas em afirmar que Deus punirá os homossexuais. A diferença está em quem mata, o conceito é semelhante.
A frase dita que “não se pode ser um muçulmano e homossexual” também é repetida em muitas outras religiões.
É mesmo um cruel dilema! Deve ser muito interessante ver este filme e acompanhar como pessoas conciliaram estes dois aspectos da sua vida. Não tenho pudor – agora – em afirmar que esse é um dilema que me envolve, e de que maneira!
Obrigado pelo teu post!
Abraço

João disse...

Também li no público, mas ver o promo aqui teve mais impacto! O ser impedido de mostrar uma parte sensível das nossas vidas deve ser brutalmente castrador. E escondermo-nos nos subterfúgios de uma religião/cultura será incrivelmente ansioso.

Começam a respirar devagar... Pode ser que se comecem a rasgar certos cânones, para um maior respeito pelos direitos humanos surjam.

Bem Hajas, K!

Alma Nova ® disse...

Estou de Ressaca.
Vem ressacar comigo.

Smile disse...

Olá Special K,
espero também que seja incluido na programação do Queer Lisboa em Setembro. É algum a não perder por diversos motivos.
Bjs

Anônimo disse...

boa tarde!
um documentário que merece ser divulgado.
é lamentável, mas todos sabemos que as crenças e as tradições trazem dissabores insuportáveis.
bom fim-de-semana!
bjs

paulo disse...

fiquei surpreendido. bem surpreendido e espero que sim, que passe por cá!

Special K disse...

Gitas: É possível que passe num qualquer canal por cabo. Na TV generalista, tenho as minhas dúvidas.
beijos

Special K disse...

Paracletus: Dou-te a mesma respsota que dei à Gitas.
Um abraço.

Special K disse...

Arion: Bem hajas tu também. Um abraço.

Special K disse...

Pinguim: Penso como tu, e estou convencido que em setembro irei ver este filme na programação no Queer LX.
Realmente era bom que filmes destes passassem fora dos circuitos de festivais LGBT. Até mesmo que houvesse mais filmes de temática gay, feitos por realizadores heterossexuais. Seria uma grande ajuda para acabar com o preconceito.

Já agora, por falar no Arte, ou mesmo no Queer Lisboa, será que não podiam passar mais filmes legendados? Nem que fosse em inglês ou em francês, ajudaria muito na compreensão.

Special K disse...

Socrates: Eu imagino o quanto te terá tocado. Sinceramente, não sei se Deus existe. Mas se existe e foi Ele que nos criou, somos assim por vontade sua vontade. Acho que os fundamentalistas das várias religiões deveriam pensar um pouco nisso.
Um abraço.

Special K disse...

Ophiuchus: Esse dia há-de chegar, mas ainda falta muito.
Um abraço

Special K disse...

Alma Nova: Já ressaquei.
Beijos

Special K disse...

Smile: Como já se disse por aqui, tenho quase a certeza que o vamos ver em setembro.
Beijos

Special K disse...

estrela Minha: Filmes como este podem mudar muita coisa. Que haja muitos heteros a vê-lo.
beijos

Special K disse...

Paulo: Confesso que também fiquei surpreendido por haver nestes países quem enfrente o medo, por vezes com o risco da própria vida.
A melhor homenagem a essas pessoas é mesmo ver o filme.
um abraço.