sexta-feira, 13 de julho de 2007

DEGREDO NO SUL



Uma antologia que reúne 48 textos literários do poeta e editor Al Berto sobre o Alentejo, intitulada "Degredo no Sul", é lançada sábado, em Lisboa, para evocar os dez anos da morte do "aprendiz de viajante".

O lançamento do livro, marcado para as 16h00 na Casa do Alentejo, resulta de uma edição conjunta da Assírio & Alvim, do jornal Diário do Alentejo (Beja), da associação Longitude Zero (Baleizão, Beja) e do Centro Cultural Emmerico Nunes (Sines).

O responsável pela selecção dos textos, Paulo Barriga, explicou à Lusa que o livro pretende "homenagear e celebrar Al Berto, por ocasião dos dez anos da sua morte". Trata-se de um "livro de regressos" que, segundo Barriga, faz uma "breve viagem" por "algumas geografias assumidas por Al Berto", no litoral alentejano, mais precisamente em Sines, Vila Nova de Milfontes e São Torpes.

"São textos literários que o autor achou imperioso situar e em que a nomeação do local onde foram conseguidos se torna quase tão relevante quanto a própria matéria poética", precisou. A leitura conjunta dos 38 poemas e 10 textos em prosa, salientou, é uma "experiência apreciável", que "desvenda" um "mapa confidencial" e uma "carta muito pessoal" associados a memórias e recordações de lugares, de pessoas e de imagens de Al Berto.

Sines - ponto de partida
Entre os poemas, Paulo Barriga destacou "Mar-de-Leva", um conjunto de sete textos dedicados a Sines, nos quais Al Berto revela o "gosto a salmoura e destruição" que lhe ficou "na boca" com o "progresso" das "máquinas" do complexo industrial que "um dia chegaram para talhar a cidade".

"Meditação em São Torpes" (1979), "Tentativas de Um Regresso à Terra" (1980), "O Último Habitante" (1983), "confissões e trajectos" à volta da Quinta de Santa Catarina e textos dispersos sobre Milfontes e a rua do Forte, onde viveu Al Berto em Sines, são outros dos poemas do livro.

Da prosa, Paulo Barriga destacou "Degredo no Sul", o texto que dá nome ao livro e que Al Berto dedicou ao poeta de Beja Al-Mu'tamid, escrevendo "rumos" que apontam o caminho do Sul, "do exílio, da expatriação, da solidão. A antiga rota dos poetas/guerreiros árabes".

Alberto Raposo Pidwell Tavares, que adoptou o pseudónimo de Al Berto, nasceu em 1948 em Coimbra, mas viveu a sua infância e adolescência em Sines, no litoral alentejano.

Após um exílio em Bruxelas, entre 1967 e 1974, onde estudou pintura, Al Berto regressou a Portugal naquele último ano para se dedicar à literatura. Em 1977, publicou o primeiro livro de poemas, intitulado "À Procura do Vento no Jardim de Agosto".

Cultivando uma poesia próxima do surrealismo, que articula o real com o imaginário, a sua obra lírica inclui títulos como "Uma Existência de Papel" (1985), "A Secreta Vida das Imagens" (1991) e "Horto de Incêndio" (1997).

A obra poética de Al Berto, produzida entre 1974 e 1986, encontra-se reunida na antologia "O Medo", cuja primeira edição foi publicada em 1987. Considerada o "definitivo testemunho artístico" do poeta, a antologia foi galardoada com o Prémio PEN Clube de Poesia, em 1988. A "Medo" seguiu-se "Lunário" (1988), o único texto em prosa do autor, e "O Anjo Mudo" (1993).

Al Berto deixou ainda textos incompletos para uma ópera, um livro de fotografia sobre Portugal e uma "falsa autobiografia", como o próprio autor a intitulava.

Notícia: Público

TENTATIVAS PARA UM REGRESSO À TERRA

O sol ensina o único caminho
a voz da memória irrompe lodosa
ainda não partimos e já tudo esquecemos
caminhamos envoltos num alvéolo de ouro fosforescente
os corpos diluem-se na delicada pele das pedras

falamos rios deste regresso e pelas margens ressoam
passos
os poços onde nos debruçamos aproximam-se
perigosamente
da ausência e da sede procuramos os rostos na água
conseguimos não esquecer a fome que nos isolou
de oásis em oásis

hoje
é o sangue branco das cobras que perpetua o lugar
o peso de súbitas cassiopeias nos olhos
quando o veludo da noite vem roer a pouco e pouco
a planície

caminhamos ainda
sabemos que deixou de haver tempo para nos olharmos
a fuga só é possível dentro dos fragmentados corpos
e um dia......quem sabe?
chegaremos

Al Berto

8 comentários:

RIC disse...

A poesia como esconjuro.
Não pensei nisso ao escolher Cesário para hoje, como pelos vistos tu também não, quando escolheste Al Berto.
Obrigado! Dos mais recentes é talvez aquele cuja obra conheço melhor. Mas ainda mal...
Soube-me bem!
Bom fim-de-semana! :-)

papagueno disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Special K disse...

Acontece que não pensei mesmo.
Um abraço

Anônimo disse...

Adoro Al Berto! Mas isso já sabes:)
Beijos

Special K disse...

Gitas
Claro que sei, o bom gosto da poesia é uma coisa que partilhamos.
beijinhos

João Roque disse...

Al Berto faz parte com Sophia, E.Andrade, Ruy Belo e alguns mais, do núcleo de meus poetas preferidos recentes.

Luís disse...

Al Berto é uma referência. Em datas como esta somos levados mais facilmente a recordar os que nos são querido e já partiram. Mas Al Berto é um poeta de todos os dias, de todos os lugares.

(Parabéns pelo fundo musical com Leonard Cohen.)

Special K disse...

Tens toda a razão Luís por isso o Al Berto é uma presença frequente em todos os meus cantinhos.
Um abraço