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domingo, 12 de abril de 2009

HÁ MAIS UMA ESTRELA NO CÉU


Acabo de saber pelo Felizes e pelo Pinguim da partida do Catatau. Confesso que foi um choque.
Há muito que sentia a falta dos seus comentários, sempre me interroguei como é que ele conseguia, quase sempre, ser o primeiro a comentar, e como eram sempre certeiros e pertinentes esses mesmos comentários. Não o vou poder abraçar no jantar deste ano e já sinto saudade.

Este foi daqueles que nunca esqueci:

"Olha, nem sabes a alegria que me dás!
Não, não é por quereres tirar um curso superior (que sim, pronto, ok, mas não é isso) - é por ser o curso que é!!! Vais gostar, acredita. E se não o conseguires fazer no tempo "regulamentar", demora o que quiseres. Saboreia-o.

(Se precisares de ajuda pede o meu contacto ao Pinguim. :) )"
8 de Maio de 2008 08:35


Aqui fica a minha homenagem nas palavras do Al Berto, penso que ele iria gostar.

"No centro da cidade, um grito. Nele morrerei, escrevendo o que a vida me deixar. E sei que cada palavra escrita é um dardo envenenado, tem a dimensão de um túmulo, e todos os teus gestos são uma sinalização em direcção à morte - embora seja sempre absurdo morrer.
Mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso. Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lí­rio, e no cardo que sobreviveu à geada. Penso em ti. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto - aqui sentado, junto à janela fechada. Ouço-te ciciar amo-te pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho: «Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge»."

Al Berto, Lunário

Imagem: Starry Night - Van Gogh

sexta-feira, 13 de julho de 2007

DEGREDO NO SUL



Uma antologia que reúne 48 textos literários do poeta e editor Al Berto sobre o Alentejo, intitulada "Degredo no Sul", é lançada sábado, em Lisboa, para evocar os dez anos da morte do "aprendiz de viajante".

O lançamento do livro, marcado para as 16h00 na Casa do Alentejo, resulta de uma edição conjunta da Assírio & Alvim, do jornal Diário do Alentejo (Beja), da associação Longitude Zero (Baleizão, Beja) e do Centro Cultural Emmerico Nunes (Sines).

O responsável pela selecção dos textos, Paulo Barriga, explicou à Lusa que o livro pretende "homenagear e celebrar Al Berto, por ocasião dos dez anos da sua morte". Trata-se de um "livro de regressos" que, segundo Barriga, faz uma "breve viagem" por "algumas geografias assumidas por Al Berto", no litoral alentejano, mais precisamente em Sines, Vila Nova de Milfontes e São Torpes.

"São textos literários que o autor achou imperioso situar e em que a nomeação do local onde foram conseguidos se torna quase tão relevante quanto a própria matéria poética", precisou. A leitura conjunta dos 38 poemas e 10 textos em prosa, salientou, é uma "experiência apreciável", que "desvenda" um "mapa confidencial" e uma "carta muito pessoal" associados a memórias e recordações de lugares, de pessoas e de imagens de Al Berto.

Sines - ponto de partida
Entre os poemas, Paulo Barriga destacou "Mar-de-Leva", um conjunto de sete textos dedicados a Sines, nos quais Al Berto revela o "gosto a salmoura e destruição" que lhe ficou "na boca" com o "progresso" das "máquinas" do complexo industrial que "um dia chegaram para talhar a cidade".

"Meditação em São Torpes" (1979), "Tentativas de Um Regresso à Terra" (1980), "O Último Habitante" (1983), "confissões e trajectos" à volta da Quinta de Santa Catarina e textos dispersos sobre Milfontes e a rua do Forte, onde viveu Al Berto em Sines, são outros dos poemas do livro.

Da prosa, Paulo Barriga destacou "Degredo no Sul", o texto que dá nome ao livro e que Al Berto dedicou ao poeta de Beja Al-Mu'tamid, escrevendo "rumos" que apontam o caminho do Sul, "do exílio, da expatriação, da solidão. A antiga rota dos poetas/guerreiros árabes".

Alberto Raposo Pidwell Tavares, que adoptou o pseudónimo de Al Berto, nasceu em 1948 em Coimbra, mas viveu a sua infância e adolescência em Sines, no litoral alentejano.

Após um exílio em Bruxelas, entre 1967 e 1974, onde estudou pintura, Al Berto regressou a Portugal naquele último ano para se dedicar à literatura. Em 1977, publicou o primeiro livro de poemas, intitulado "À Procura do Vento no Jardim de Agosto".

Cultivando uma poesia próxima do surrealismo, que articula o real com o imaginário, a sua obra lírica inclui títulos como "Uma Existência de Papel" (1985), "A Secreta Vida das Imagens" (1991) e "Horto de Incêndio" (1997).

A obra poética de Al Berto, produzida entre 1974 e 1986, encontra-se reunida na antologia "O Medo", cuja primeira edição foi publicada em 1987. Considerada o "definitivo testemunho artístico" do poeta, a antologia foi galardoada com o Prémio PEN Clube de Poesia, em 1988. A "Medo" seguiu-se "Lunário" (1988), o único texto em prosa do autor, e "O Anjo Mudo" (1993).

Al Berto deixou ainda textos incompletos para uma ópera, um livro de fotografia sobre Portugal e uma "falsa autobiografia", como o próprio autor a intitulava.

Notícia: Público

TENTATIVAS PARA UM REGRESSO À TERRA

O sol ensina o único caminho
a voz da memória irrompe lodosa
ainda não partimos e já tudo esquecemos
caminhamos envoltos num alvéolo de ouro fosforescente
os corpos diluem-se na delicada pele das pedras

falamos rios deste regresso e pelas margens ressoam
passos
os poços onde nos debruçamos aproximam-se
perigosamente
da ausência e da sede procuramos os rostos na água
conseguimos não esquecer a fome que nos isolou
de oásis em oásis

hoje
é o sangue branco das cobras que perpetua o lugar
o peso de súbitas cassiopeias nos olhos
quando o veludo da noite vem roer a pouco e pouco
a planície

caminhamos ainda
sabemos que deixou de haver tempo para nos olharmos
a fuga só é possível dentro dos fragmentados corpos
e um dia......quem sabe?
chegaremos

Al Berto

quarta-feira, 13 de junho de 2007

AL BERTO


Vigílias

Quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer

a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas

um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz

quero morrer
com uma overdose de beleza

e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta esse coração
esse
solitário caçador

Al Berto




As mãos pressentem a leveza rubra do lume
repetem gestos semelhantes a corolas de flores
voos de pássaro ferido no marulho da alba
ou ficam assim azuis
queimadas pela secular idade desta luz
encalhada como um barco nos confins do olhar

ergues de novo as cansadas e sábias mãos
tocas o vazio de muitos dias sem desejo e
o amargor húmido das noites e tanta ignorância
tanto ouro sonhado sobre a pele tanta treva
quase nada

Al Berto

Uma pequena homenagem ao poeta Al Berto, no dia em que se assinalam os dez anos da sua morte.

terça-feira, 24 de abril de 2007

HÁ-DE FLUTUAR UMA CIDADE



há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade

Al Berto
Visto há uns tempos no Tudo e Nada

sábado, 17 de março de 2007

NOTAS PARA O DIÁRIO



Deus tem que ser substituído rapidamente por poe-
mas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.

a dor de todas as ruas vazias.

sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste
silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abis-
mo.
sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de aca-
bar comigo mesmo.

a dor de todas as ruas vazias.

mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

a dor de todas as ruas vazias.

pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lis-
boa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no
cimo do mastro, e mandar arrear o velame.

é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem
cadastro.

a dor de todas as ruas vazias.

sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o
filme acabou. não nos conheceremos nunca.

a dor de todas as ruas vazias.

os poemas adormeceram no desassossego da idade.
fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais
curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me
as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e
nada escrevo.
o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e
a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar.
a dor de todas as ruas vazias.

Al Berto,