sábado, 30 de junho de 2007

ODE


Lavadores, 14 de Agosto de 1946

Ode

Eis-me nu e singelo!
Areia branca e o meu corpo em cima.
Um puro homem, natural e belo,
De carne que não peca e que não rima.

A linha do horizonte é um nível quieto;
As velas, de cansaço, adormeceram;
E penas brancas, que eram luto preto,
Perderam-se no azul de onde vieram.

Sol e frescura em toda a grande praia
Onde não pode haver agricultura;
Esterilidade limpa, que não caia
De pão e vinho a cósmica fartura.

Dançam toninhas lúdicas no céu
Que visitam ligeiras e felizes;
Uma força sonâmbula as ergueu,
Mas seguras à seiva das raízes.

Nem paz nem guerra nem desarmonia:
O sexo alegre, mas a repousar;
Um pleno, largo e caudaloso dia,
Sem horas e minutos a passar.

Vem até mim, onda que trazes vida!
Soro da redenção!
Vem como o sangue doutra mãe pedida
Na hora de dar mundo ao coração!

Miguel Torga
Poesia Completa
Públicações D. Quixote
Imagem: Paulo César, Olhares.aeiou

2 comentários:

RIC disse...

Ui, que delicioso arrepio! Obrigado por me recordares um belo poema há muito já quase esquecido.
Soube-me muito bem!
Um abraço! :-)

Anônimo disse...

Lindos poema e foto:)
Hoje estás inspirado:)
beijos