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domingo, 12 de agosto de 2007

TORGA E O DOURO

S. Martinho de Anta, 17 de Setembro de 1945

DOURO

Cai o sol nas ramadas.
O sol, esse Van Gogh desumano...
E telas amarelas,calcinadas,
Fremem nos olhos como um desengano.

A cor da vida foi além de mais!
Lume e poeira, sem que o verde possa
Refrescar os craveiros e os tendais
De uma paisagem mais secreta e nossa.

Apenas uma fímbria namorada,
Vermelha e roxa, se desenha ao fundo
O mosto de uma eterna madrugada
Que vem do incêndio refrescar o mundo.

Régua, 16 de Setembro de 1962

DOIRO

Suor, rio, doçura.
(No princípio era o homem ...)
De cachão em cachão,
O mosto vai correndo
No seu leito de pedra.
Correndo e reflectindo
A bifronte paisagem marginal.
Correndo como corre
Um doirado caudal
De sofrimento.
Correndo, sem saber
Se avança ou se recua.
Correndo, sem correr,
O desespero nunca desagua ...


Ferrão, 7 de Setembro de 1968

DOIRO

Corre, caudal sagrado,
Na dura gratidão dos homens e dos montes!
Vem de longe e vai longe a tua inquietação...
Corre, magoado,
De cachão em cachão,
A refractar olímpicos socalcos
De doçura
Quente.
E deixa na paisagem calcinada
A imagem desenhada
Dum verso de Frescura
Penitente.
Poemas: Miguel Torga
Fotos: Special K

sábado, 30 de junho de 2007

ODE


Lavadores, 14 de Agosto de 1946

Ode

Eis-me nu e singelo!
Areia branca e o meu corpo em cima.
Um puro homem, natural e belo,
De carne que não peca e que não rima.

A linha do horizonte é um nível quieto;
As velas, de cansaço, adormeceram;
E penas brancas, que eram luto preto,
Perderam-se no azul de onde vieram.

Sol e frescura em toda a grande praia
Onde não pode haver agricultura;
Esterilidade limpa, que não caia
De pão e vinho a cósmica fartura.

Dançam toninhas lúdicas no céu
Que visitam ligeiras e felizes;
Uma força sonâmbula as ergueu,
Mas seguras à seiva das raízes.

Nem paz nem guerra nem desarmonia:
O sexo alegre, mas a repousar;
Um pleno, largo e caudaloso dia,
Sem horas e minutos a passar.

Vem até mim, onda que trazes vida!
Soro da redenção!
Vem como o sangue doutra mãe pedida
Na hora de dar mundo ao coração!

Miguel Torga
Poesia Completa
Públicações D. Quixote
Imagem: Paulo César, Olhares.aeiou