
DOURO
Cai o sol nas ramadas.
O sol, esse Van Gogh desumano...
E telas amarelas,calcinadas,
Fremem nos olhos como um desengano.
A cor da vida foi além de mais!
Lume e poeira, sem que o verde possa
Refrescar os craveiros e os tendais
De uma paisagem mais secreta e nossa.
Apenas uma fímbria namorada,
Vermelha e roxa, se desenha ao fundo
O mosto de uma eterna madrugada
Que vem do incêndio refrescar o mundo.

Régua, 16 de Setembro de 1962
DOIRO
Suor, rio, doçura.
(No princípio era o homem ...)
De cachão em cachão,
O mosto vai correndo
No seu leito de pedra.
Correndo e reflectindo
A bifronte paisagem marginal.
Correndo como corre
Um doirado caudal
De sofrimento.
Correndo, sem saber
Se avança ou se recua.
Correndo, sem correr,
O desespero nunca desagua ...

Ferrão, 7 de Setembro de 1968
DOIRO
Corre, caudal sagrado,
Na dura gratidão dos homens e dos montes!
Vem de longe e vai longe a tua inquietação...
Corre, magoado,
De cachão em cachão,
A refractar olímpicos socalcos
De doçura
Quente.
E deixa na paisagem calcinada
A imagem desenhada
Dum verso de Frescura
Penitente.
Poemas: Miguel Torga
Fotos: Special K