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segunda-feira, 21 de março de 2011

CELEBRANDO O DIA MUNDIAL DA POESIA

Meus amigos, perdoem de novo a ausência mas não tenho tempo para nada.
Regresso para celebrar o Equinócio da Primavera e o Dia Mundial da Poesia.



3

Quase nu,
Ágil,
Trigueiro -
Com um dinaire gentil,
Ergueu o disco nos braços -
E o disco,
Rolou, -
Galhardamente lançando
Num largo aprumo viril.

Nos olhos
Suavíssimos e longos
Uma expressão
De fadiga e de pecado
Tomou mais vulto
E maior intensidade
Quando notou que o fixei.
A boca sorriu-se,
Altiva,
Condescendente,
- Como amante que vacila
Na dádiva do seu corpo,
ausente e longe
Daquele
A quem jurara ser firme.

O dia morre
Em claridade soturna;
E as rosas,
Cingindo a fronte do vencedor
Esmorecem -
Como troféu que perdesse
A gala da sua cor.

Escravo belo da força
Foge do amor!

António Botto, "Canções e Outros Poemas"

segunda-feira, 23 de junho de 2008

S. JOÃO


Quero mandar um grande abraço aos meus amigos da "inbicta" e desejar-lhes uma grande noite de S. João.
Este poema do Botto é dedicado a todos vocês.


Aguarela Sombria (excerto)

A tarde vem
Num desfolhar de pétalas cinzentas
E amarelas e lilases-
E as raparigas em coro
- Raparigas e rapazes,
No terreiro da ermida,
Bailam suspiram e cantam
Envolvidos na ilusão
De que a vida é uma cantiga.

São João anda na roda!

Tenho um craveiro no peito
Que dá cravos todo o ano;
Só os dou ao mneu amor
Se ele me der um desengano.

Aos abraços vou dançando-
Mas sem deixar de fixar
Os olhos da cantadeira,
Vermelha, fresca, sadia,
Como castelo vermelho
De uma linda melancia!...
Sobem foguetes. As bocas e os corações
Vibram atafulhadinhos
De sonhos e promessas.
E até os corpos incharam
No desejo de beijar...

António Botto
"Canções e Outros Poemas"
Edição, cronologia e introdução de Eduardo Pitta

sexta-feira, 13 de junho de 2008

QUISESSES


Quisesses tu falar-me do que eu sinto
quando me vens à noite encher de sonho
Só com a tua presença?!

António Botto

sábado, 7 de julho de 2007

ANDA VEM, JUST DO ME...


Anda vem...

Anda vem..., porque te negas,
Carne morena, toda perfume?
Porque te calas,
Porque esmoreces,
Boca vermelha --- rosa de lume?

Se a luz do dia
Te cobre de pejo,
Esperemos a noite presos num beijo.

Dá-me o infinito gozo
De contigo adormecer
Devagarinho, sentindo
O aroma e o calor
Da tua carne, meu amor!

E ouve, mancebo alado:
Entrega-te, sê contente!
--- Nem todo o prazer
Tem vileza ou tem pecado!

Anda, vem!... Dá-me o teu corpo
Em troca dos meus desejos...
Tenho saudades da vida!
Tenho sede dos teus beijos!

António Botto

quarta-feira, 6 de junho de 2007

BUSQUEI NA SAUDADE FUNDA


Busquei na saudade funda
Que os seus olhos me deixaram
A coragem -
E a firmeza resistente
Pra fugir da sua vida.

Agora, já sou aquele
Que os outros querem que eu seja:
Normal, um pobre diabo
Que obedece ao preconceito
Moralíssimo, profundo,
De beijar a eterna esfinge...

- Já deixei o meu amor,
Já fiz a vontade ao mundo.

António Botto

É que nem pensar! Eu fiz precisamente o contrário.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

SE DUVIDAS QUE TEU CORPO


hoje estou contente, telefonaram-me da Presença, na Feira do Livro, e parece que conseguiram satisfazer o meu pedido.

SE DUVIDAS QUE TEU CORPO

Se duvidas que teu corpo
Possa estremecer comigo –
E sentir
O mesmo amplexo carnal,
– desnuda-o inteiramente,
Deixa-o cair nos meus braços,
E não me fales,
Não digas seja o que for,
Porque o silêncio das almas
Dá mais liberdade
às coisas do amor.

Se o que vês no meu olhar
Ainda é pouco
Para te dar a certeza
Deste desejo sentido,
Pede-me a vida,
Leva-me tudo que eu tenha
Se tanto for necessário
Para ser compreendido.

António Botto

Imagem: David Morgan

sexta-feira, 25 de maio de 2007

NÃO ME CHAMES PELO NOME


Quem é que abraça o meu corpo
Na penumbra do teu leito?
Quem é que beija o meu rosto,
Quem é que morde o meu peito?

Quem é que fala da morte
Docemente ao meu ouvido?
- És tu senhor dos meus olhos?
E sempre no meu sentido

A tudo quanto me pedes
Porque obedeço, não sei
Quiseste que eu cantasse
Pus-me a cantar... e chorei

Não me peças mais canções
Porque a cantar vou sofrendo
sou como as velas do altar
que dão luz e vão morrendo

Não me chames pelo nome
que me deram ao nascer
sou como a folha caída
que não chegou a viver

Meus olhos que por alguém
deram lágrimas sem fim
Já não choram por ninguém
- Basta que chorem por mim

O que é que a fonte murmura?
O que é que a fonte dirá?
- Ai, amor, se houver ventura
Não me digas onde está

António Botto

sábado, 12 de maio de 2007

EXPOSIÇÃO ANTÓNIO BOTTO




" O mais importante na vida
é ser-se criador - criar beleza"






Exposição virtual sobre António Botto

Parabéns à Biblioteca Munícipal António Botto em Abrantes pela exposição.
Obrigado ao Omo porque ter públicado o link no site dele.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

OUVE, MEU ANJO


Ouve, meu anjo:
Se eu beijasse a tua pele?
Se eu beijasse a tua boca
Onde a saliva é mel?

Tentou, severo, afastar-se
Num sorriso desdenhoso;
Mas aí!,
A carne do assasssino
É como a do virtuoso.

Numa atitude elegante,
Misterioso, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.

Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia...

Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar -
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!

António Botto
Foto: Dylan Ricci

domingo, 22 de abril de 2007

ANDAVA A LUA NOS CÉUS


Andava a lua nos céus
Com o seu bando de estrelas

Na minha alcova
Ardiam velas
Em candelabros de bronze

Pelo chão em desalinho
Os veludos pareciam
Ondas de sangue e ondas de vinho

Ele, olhava-me cismando;
E eu,
Plácidamente, fumava,
Vendo a lua branca e nua
Que pelos céus caminhava.

Aproximou-se; e em delírio
Procurou avidamente
E avidamente beijou
A minha boca de cravo
Que a beijar se recusou.

Arrastou-me para ele,
E encostado ao meu hombro
Falou-me de um pagem loiro
Que morrera de saudade
À beira-mar, a cantar...

Olhei o céu!

Agora, a lua, fugia,
Entre nuvens que tornavam
A linda noite sombria.

Deram-se as bocas num beijo,
Um beijo nervoso e lento...
O homem cede ao desejo
Como a nuvem cede ao vento

Vinha longe a madrugada.

Por fim,
Largando esse corpo
Que adormecera cansado
E que eu beijara, loucamente,
Sem sentir,
Bebia vinho, perdidamente
Bebia vinha..., até cair.

António Botto
Aves de Um Parque Real
As Canções de António Botto
Editorial Presença
1999

Tão lindo!

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Á MEMÓRIA DE FERNANDO PESSOA



Se eu pudesse fazer com que viesses
Todos os dias, como antigamente,
Falar-me nessa lúcida visão
- Estranha, sensualíssima, mordente;
Se eu pudesse contar-te e tu me ouvisses,
Meu pobre e grande e genial artista,
O que tem sido a vida - esta boemia
Coberta de farrapos e de estrelas
Tristíssima, pedante, e contrafeita,
Desde que estes meus olhos numa névoa
De lágrimas te viram num caixão;
Se eu pudesse, Fernando, e tu me ouvisses,
Voltávamos à mesma:
Tu, lá onde
Os astros e as divinas madrugadas
Noivam na luz eterna de um sorriso;
E eu, por aqui, vadio da descrença
Tirando o meu chapéu aos homens de juízo. . .
Isto por cá vai indo como dantes;
O mesmo arremelgado idiotismo
Nuns senhores que tu já conhecias
- Autênticos patifes bem falantes. . .
E a mesma intriga; as horas, os minutos,
As noites sempre iguais, os mesmos dias,
Tudo igual! Acordando e adormecendo
Na mesma cor, do mesmo lado, sempre
O mesmo ar e em tudo a mesma posição
De condenados, hirtos, a viver
- Sem estímulo, sem fé, sem convicção...

Poetas, escutai-me: transformemos
A nossa natural angústia de pensar
- Num cântico de sonho!, e junto dele,
Do camarada raro que lembramos,
Fiquemos uns momentos a cantar!

António Botto